Nas últimas décadas, os países ocidentais vivenciaram uma expansão significativa da inserção da mulher no mercado de trabalho. Essas transformações sociais desencadearam ressignificações acerca do papel feminino na sociedade, antes visto apenas pela ótica dos cuidados domésticos e com os filhos, agora aponta para discussões sobre autonomia, independência, profissionalização e combate às desigualdades de gênero e de oportunidades. Apesar de todos os avanços e conquistas, as mulheres ainda lidam com cobranças acerca do aparente incongruência entre ser mãe e desempenhar uma atividade profissional. O interesse em compreender como as mulheres constroem suas percepções acerca desse impasse, fez com que a Profa. Me. Juliana Gomes da Silva Soares e as alunas, Giuliane Marques e Silva e Duana Sara Araújo Leal, do curso de Psicologia do Centro Universitário Santo Agostinho realizassem a pesquisa “Maternidade e carreira profissional para a mulher contemporânea: um estudo de representações sociais” no Programa Institucional Voluntário de Bolsas (PIVIC).
A pesquisa teve como ponto inicial de investigação a compreensão de como as mulheres, acima de 18 anos, e em formação acadêmica, entendem essa suposta divergência, posta socialmente como uma escolha excludente ou muito difícil de conciliar. “Essa dúvida entre ser mãe ou investir profissionalmente em uma carreira permeia a formação social da mulher, que desde muito cedo é apresentada a esse questionamento. É um tema que me instiga na vida pessoal e profissional e, principalmente, na minha escuta clínica, uma vez que sou psicóloga e psicanalista e recebo muito isso no consultório. São demandas recentes em decorrência das mudanças no cenário econômico e cultural”, explica a professora Juliana Gomes.
A professora complementa que há dez anos realizou seu trabalho de conclusão de curso em Psicologia com essa mesma temática e pontua que esse segundo trabalho serviu como um comparativo com os resultados alcançados anteriormente, uma vez que com o passar de uma década, outras questões poderiam surgir no campo das representações, marcadas pelos o contexto social. No entanto, os resultados não apresentaram discrepâncias. Um ponto que deve ser ressaltado é que o recorte da pesquisa atual foi mais restrito, circunscrito a alunas do 1° ao 5° período de cursos variados do UNIFSA, enquanto na pesquisa anterior o recorte compreendia adolescentes, jovens adultas e mulheres maduras.
O acesso às participantes voluntárias do estudo foi feito por meio de um questionário com seis perguntas, três relativas à maternidade e três sobre o campo profissional. Ao total, 30 mulheres participaram. De acordo com as estudantes, um ponto que chamou particular atenção na análise dos dados coletados foi o de muitas mulheres terem respondido que consideram compreensível as empresas optarem por não contratar profissional que tenham filhos. As pesquisadoras assinalam que esse tipo de discurso contribui com o preconceito acerca da mulher no mercado de trabalho, além de colaborar com a desigualdade de oportunidades que ainda existe no campo profissional no Brasil – fatores que, por seu expediente, reforçam a consideração de que as mulheres não devem engravidar caso queiram investir em uma carreira.
Ao se envolverem na pesquisa, as estudantes também puderam vivenciar uma temática que permeia suas vidas pessoais, enquanto mulheres com acesso a formação acadêmica e posteriormente ao exercício profissional. “Sou estudante e ainda não tenho filhos. Mas logo quero ter um emprego, seguir minha profissão e também exercer a maternidade. Um dado importante que precisamos ressaltar é o de que, em geral, as entrevistadas mais novas falavam logo que tinham preferência pela carreira e não pensavam em ser mãe, pelo menos não tão cedo. Enquanto as entrevistadas depois dos 25 anos já ponderavam mais para responder, como se tivessem mais cobranças a esse respeito e realmente colocassem na balança a questão levantada”, explica Duana Leal.
As pesquisadoras relatam que o tema estudado tem sua importância porque se coloca como um conflito para a mulher atual, tendo em vista que a sua autonomia, independência financeira impactou diretamente na constituição familiar e, por conseguinte, na própria sociedade. “Esse sofrimento recai porque há uma cobrança social muito grande em cima do desempenho esperado das mulheres, que devem dar conta de tudo. Da casa, do filho, da carreira. Aquelas que não têm filhos e não expressam desejos maternos, a carreira é apontada como a culpada para tal posicionamento. E as que têm filhos, essas são julgadas por fazer uma opção ou para se desdobrarem para dar conta. Vemos várias frases sobre ‘Tá vendo, você não dá conta e você teve escolha, pois você tem filho e quer trabalhar’, assinala a professora.
Uma das considerações a que chega o trabalho é a de que os discursos proferidos por terceiros têm um impacto muito forte na ideia que se estabelece sobre maternidade e carreira para as mulheres entrevistadas. “A sociedade apresenta ou impõe muitas receitas ou formas corretas de viver, a culpa que recai sobre a mulher pode ser amenizada através de um processo de empoderamento ou de condições que ressignifiquem as cobranças recebidas, pois ninguém é perfeito, as falhas, fragilidades independem de exercer os dois papeis simultaneamente, o de mãe e profissional”, conclui a professora pesquisadora Juliana Gomes.
Com a finalização do trabalho e a produção de artigos científicos com os resultados alcançados, as pesquisadores planejam a divulgação em eventos acadêmicos específicos da área de Representações Sociais e também para a publicação em Revistas especializadas. Mesmo com o encerramento do projeto, elas seguem buscando mais fundamentação acerca da temática estudada, uma vez que foram instigadas pela atualidade do tema escolhido e da sua importância para as lutas travadas no campo social, sobretudo acerca do Feminismo.