Desde 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou uma regulamentação para determinar padrões éticos e protocolares a serem seguidos pelos profissionais da área. A Resolução CFP 01/99 tornou obrigatório que os profissionais se adequassem aos parâmetros preconizados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e ao CID – 10 (Código Internacional de Doenças – versão 10) no que se refere à classificação da homossexualidade. Dessa maneira, ficaram vetadas as práticas e os discursos de psicólogos que a tratassem por doença, desvio ou perversão, bem como desautorizou qualquer tipo de tratamento e proposta de cura. No entanto, nos últimos anos, o que se assistiu no Brasil foram movimentações de grupos conservadores acerca da possibilidade da Cura Gay realizada por psicólogos habilitados. Inquietados por essas movimentações polêmicas e contrárias aos que repercute o CFP, a professora Mestre do curso de Psicologia do Centro Universitário Santo Agostinho, Juliana Gomes da Silva Soares, e o acadêmico do curso, Mateus Silva Rodrigues, se interessaram em estudar o tema.
O campo das representações sociais já é um tema bastante estudado pela professora Juliana Soares, então eles resolveram lançar no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do UNIFSA a pesquisa intitulada de “A homoafetividade e suas representações sociais: um estudo com estudantes de Psicologia”. A pesquisa partiu do objetivo de compreender como os acadêmicos que recém iniciaram no curso representam individualmente e coletivamente essa questão. “Trata-se de um ponto muito sério, pois todas essas discussões abalaram o campo acadêmico e o profissional, e a gente veio percebendo que dentro desse universo existiam pessoas que consideravam que podia haver sim a possibilidade da cura da homossexualidade. Então quando a gente escuta na vivência de sala de aula, a gente se preocupa, pois, me pergunto: que profissionais estamos formando com essa mentalidade?”, indaga.
Depois de delimitarem o objeto de estudo, os pesquisadores iniciaram o trabalho de pesquisa com estudantes regularmente matriculados no curso de Psicologia do UNIFSA, que estavam cursando do 1º ao 4º período, e que se autodeclaravam heterossexuais. Os pesquisadores explicam que o recorte feito com os estudantes novatos é justificado porque eles só cursam a disciplina que trata sobre os preceitos éticos da profissão após o 4° período. No entanto, fez-se importante compreender qual o olhar que eles trazem de fora, antes de efetivamente entrarem em contato com o que apregoa os órgãos de regulamentação da prática profissional. Os pesquisadores se debruçaram a entender quais os discursos que eles reproduzem ou constroem acerca da compreensão da homossexualidade.
O estudante Mateus Rodrigues pontua que essas construções do senso comum foram as mais encontradas nas respostas dos participantes da pesquisa. “Até fazer a pesquisa, entrar em contato com os sujeitos investigados foi difícil, pois o tema da homossexualidade acaba sendo fonte de contradição para os entrevistados. Muita gente misturou opiniões gerais da religião com os valores de família mais tradicionais e expectativas do campo da Psicologia. Como representação social, identificamos que essas concepções do senso comum, estabelecidas no dia-dia, estão muito presentes nas falas, participando ativamente da construção social sobre a homossexualidade”, assinala.
Os discursos coletados durante a aplicação dos questionários fizeram com que os pesquisadores pudessem observar que um dos pontos mais relevantes da pesquisa tratou da quebra de preconceitos e estigmas. Trata-se de uma discussão que pode falar sobre uma questão humana, que é a orientação sexual de um indivíduo “e em um momento como esse, em pleno século XXI, ainda existem pessoas que acham que isso é um acontecimento patológico, que pode ser revertido, que de alguma forma foi adquirido, que é um desvio anômalo e que deveria ser consertado. Isso é muito perigoso para a saúde mental da sociedade como um todo”, destaca a professora Juliana Soares.
Dentre as considerações alcançadas pelos pesquisadores está a de um grande quantitativo de respostas com teor preconceituoso e estigmatizado, sobretudo associando a homossexualidade com o campo genético. “Tivemos uma grande quantidade de pessoas que apontavam fatores genéticos como causa da homossexualidade, juntamente a um discurso de que ‘eu aceito’ ou ‘não tenho nada contra’. Aqui encontramos duas questões sérias envolvidas, uma que é do lado biológico que abriria brechas para questões patológicas e a possibilidade de tratamento. E a outra que é a do discurso que vela prejulgamentos pessoais ou certo distanciamento do tema. Encontramos discursos mais reflexivos acerca da questão, que partem de um compromisso com a causa, advindo de estudos, pesquisas, ainda nos alunos novatos”, explica a professora pesquisadora.
De acordo a dupla, a intenção foi realmente entender como os alunos no início do curso compreendiam essa temática. De acordo com Mateus Rodrigues: “Ficou muito claro que essas representações sociais, em geral, advêm da convivência com uma sociedade que ainda traz marcas de muito preconceito e conservadorismo. Eles trazem esses discursos do senso comum, da família, das calçadas. Como eles estão no início do curso, ainda entrarão em contato com os princípios éticos relacionados à postura esperada de um profissional da Psicologia no desempenho de suas funções. O olhar, ao longo do curso, conforme as discussões, debates proporcionados pelas disciplinas, trarão mais visões científicas e sociais e menos triviais”.
Os pesquisadores concordam que a experiência foi bastante proveitosa para os dois. De acordo com Mateus, a iniciação científica transformou as suas perspectivas acadêmicas e, em conformidade com o rema estudado, viu uma oportunidade para rever suas próprias convicções acerca da carreira e dos seus colegas de profissão e curso. Agora, os planos da equipe perpassam a divulgação dos resultados alcançados em revistas especializadas da área e apresentação em eventos que tenham o enfoque nas questões de gênero e diversidade sexual.